Converse
com um analista de RH, com um empresário ou com um proeminente executivo de
grande empresa por mais de 20 minutos e você ouvirá a expressão do título desta
postagem. A pessoa discorrerá sobre como há uma carência de profissionais
preparados no Brasil, sobre como é difícil encontrar gente competente
para posições que exigem algum preparo, enfim. Ela comentará que há um “apagão
de talentos”, uma falta de pessoas preparadas para crescer e ocupar posições de
responsabilidade e destaque.
Falarei
futuramente sobre a visão de negócio dos empresários brasileiros, que é curta.
Sobre a insipidez geral dos profissionais de RH, reduzidos a contratadores e
demitidores em série e calculadores de benefícios legais de departamento
pessoal. Sobre a falta de adaptação da alta-gerência à uma nova realidade empresarial
que nasceu nos EUA na década de 1990 e agora chega aqui. Sobre a direção das
empresas, crente que os profissionais do mercado não evoluíram nada nos últimos
anos.
Mas
neste momento quero focar em como o meio empresarial se apropria de modismos de
revista para moldar uma situação alternativa à realidade do mercado. O mais
forte dos modismos atuais é culpar o Apagão de Talentos pela
inabilidade das empresas em angariar e reter bons profissionais em seus
quadros.
A
culpa é do mercado
A maioria das empresas, especialmente as grandes, gosta de culpar o mercado ou
os concorrentes por seus próprios problemas. Não conseguir suprir suas áreas
com trabalhadores de qualidade, em ritmo igual ao de demissões, é algo cuja culpa
rapidamente se atribui a terceiros. O próprio ritmo das demissões deveria ser
um indicativo de que a “política para retenção de talentos” da empresa tem
algum problema. Se somos tão bons em reter talentos porque
tantas pessoas vão embora? É uma pergunta que não é feita com a
frequência necessária nos departamentos de RH.
“Nós
não pagamos pouco, não oferecemos poucos benefícios, não temos um nome ruim no mercado
profissional, não somos vistos como uma empresa que exige demais com metas nem
sempre justas. Não! Nada disso! Nós não conseguirmos contratar novos
profissionais com qualidade porque eles não estão lá fora!”
É
cômodo e fácil colocar a culpa em terceiros. E, assim que a primeira
revista “especializada” deu a deixa, todo mundo o fez.
Bons
profissionais são como qualquer bom ativo
Eles estão lá fora. Mas você precisa procurar por eles. A maioria das empresas
coloca um anúncio em sites de emprego ou empresas especializadas em Head Hunting que é mais ou menos assim:
Gerente
de Projetos de Automação.
O profissional será responsável por gerenciar projetos de automação de
dispositivos respondendo ao Diretor Industrial pelo andamento, orçamento, e
entrega dos projetos a fim de manter os equipamentos em funcionamento.
Ocasionalmente vai ter de trabalhar até tarde, incluindo em fins de semana,
para terminar a implementação de projetos junto à equipe de técnicos
industriais. Disponibilidade para viagens é mandatória.
Perfil
Formado em Engenharia. Pós graduação em Gestão de Projetos ou MBA serão
considerados diferencial. Experiência de 3 anos é fundamental. Inglês fluente é
mandatório.
Benefícios
compatíveis com o mercado e remuneração à combinar.
Ora, esse tipo de anúncio de emprego
dá muitos indícios sobre a “política de retenção de talentos da empresa”. A empresa
quer alguém ultra responsável que irá se reportar diretamente a alguém que
facilmente ganha 3 vezes mais que ela. Com alguma chance de, em muito tempo de
trabalho, ascender à essa mesma posição. Essa pessoa será responsável por uma
função muito importante para o ciclo produtivo que facilmente gera receita de
dezenas de vezes sua remuneração total anual. É uma posição bastante importante
para o ciclo produtivo do contratante.
Ainda assim, note que a empresa pede
alguém com 3 anos de experiência na posição, ou seja, enquanto inglês fluente é
mandatório o desejo de evoluir profissionalmente é totalmente opcional.
Trabalhar mais de 8 horas por dia é lugar comum e concordar em abrir mão do
convívio familiar está implícito. E, por fim, a remuneração à combinar é prova
clara de que a pessoa que reúna todas essas condições ainda será paga com o
menor salário que seja possível considerando seu rendimento atual e sua vontade
de mudar de emprego. Se na entrevista o funcionário mostrar grande
descontentamento com seu empregador atual isso provavelmente reduzirá o valor
que a empresa está disposta a pagar ao candidato.
Com tudo isso o responsável pela vaga
vai ressaltar que é muito difícil achar profissionais que atendam ao nível de
responsabilidade, experiência e requisitos da posição pelo salário que a
empresa está disposta a pagar. Está criado o Apagão de Talentos artificial do
qual estou falando. Se a vaga citada possuir um salário atraente, em nível
daqueles pagos em outros países, garanto que não faltarão profissionais
enviando currículos para a empresa.
O problema é que as empresas, ao
comprarem seus ativos, normalmente olham para a qualidade e quando vão
contratar pessoas olham para o preço. Reclamam que não encontram os
profissionais que precisam mas nunca se dispõe a rever a forma como avaliam os
processos de contratação.
Muitas empresas veem os funcionários
como máquinas impressoras, com as quais se deve gastar o menos possível, como
com toner remanufaturado. Que quando derem problemas serão facilmente substituídos.
Deveriam ver o patrimônio humano como se fosse o predial. Que tem potencial de
servir por anos desde que receba a “manutenção” adequada.
Entretanto a maioria das empresas se
porta como uma solteirona de 50 anos que não queria nada mais do que um homem
bonito, educado, elegante, cheiroso, cavalheiro, com um bom dinheiro e que
fosse fiel. Ao não encontrar o que deseja, pois suas exigências estão altas
demais, brada que está “faltando homem no mercado”. Agora sim a semelhança se
fez notar, não é mesmo?
Prova
dos Nove
Eu já pensava muito sobre isso simplesmente observando o mercado de trabalho em
Florianópolis, cidade onde vivo. Como já trabalhei em São Paulo e em Curitiba
tenho uma perspectiva privilegiada. Já pude observar processos de contratação
de grandes multinacionais que usam como referência os salários que pagam à seus
funcionários em outros países. Toleram pagar um pouco mais à seus empregados no
Brasil. Como Florianópolis tem um número de grandes empresas estrangeiras
(GEEs) menor do que outras capitais do Sul e Sudeste tem também a menor média
salarial destas duas regiões.
Diferente de empresas locais, que
muitas vezes se preocupam em pagar o menor salário possível aos contratados, as
empresas multinacionais normalmente possuem tabelas de valores-base para
posições importantes na cadeia de negócios. Isso faz com que um mercado local
pequeno, como o de Florianópolis, jogue luzes nesse tipo de diferença. Vou
ilustrar com um exemplo. Em Florianópolis é fácil encontrar gerentes de contas
PJ de grandes bancos que ganham, com 5 anos de experiência na função,
US$2,5mil/mês ou US$32.500 por ano para administrar carteiras que giram 10 ou
20 milhões de dólares/mês. É uma remuneração baixa para o nível de
responsabilidade da função e não por acaso os bancos encontram dificuldades em
recrutar profissionais para estas posições na região.
Sei de vagas que estão abertas há
quase 8 meses e ainda sem previsão de contratação. Em contra-partida, já vi
anúncios de gerentes de controladoria de empresas em São Paulo que pagam
US$55.000 por ano exigindo o mesmo nível de experiência que a posição de gerente
de banco. E eu entendo que as responsabilidades envolvidas na controladoria são
menores simplesmente porque você tem apenas um patrão a quem prestar contas,
enquanto na gerência de contas você é cobrado por duas partes que possuem
interesses quase sempre contrapostos.
Este é apenas um indício de que os
baixos salários em relação às exigências das vagas faz os profissionais
escassearem. Entretanto há outra evidência. O Google Brasil reporta receber
mais de 1.200 currículos todos os meses de pessoas interessadas em trabalhar em
um de seus escritórios. Pode, com todas as letras e cores, escolher quem
contratar. O contraste em relação ao banco que tem a vaga aberta por 8 meses é
a materialização da cultura corporativa e a forma como a empresa olha para os
funcionários. Voltarei nisso em um instante.
O Google faz coisas de forma
diferente, até na área de recursos humanos. Um funcionário recebe um prêmio de
até R$5mil quando uma indicação sua termina em contratação. No Natal de 2009
cada funcionário da empresa recebeu de presente o smartphone que o Google
vendia, o NexusOne. Pense sobre a última coisa que você ganhou do seu
empregador. Entendeu porque o Google consegue ter uma fila de pessoas se
candidatando todos os dias?
Como
ver o funcionário
Empresas criativas veem o funcionário como um agente de novas ideias. Fala-se
muito no discurso corporativo sobre o valor que as ideias tem (lembra o slogan
do Santander: O Valor das ideias) e sua importância para os negócios. E se a
empresa precisa de ideias para usar como combustível da inovação os
funcionários ganham valor. Não há muitas empresas assim no Brasil pois elas
estão em um novo pedaço da economia capitalista que ainda não floresceu por aqui.
As empresas da economia tradicional
muitas vezes olham para as pessoas apenas como partes de suas estruturas,
complementos dos processos. E como tal, podem entender que muitas vezes eles
atrapalham o funcionamento dos processos e precisam ser substituídos por
pessoas que se adaptem melhor ao jeito como as coisas são feitas. Ao contratar
procuram pessoas que irão se encaixar à esse perfil e traduzem isso em demandas
exageradas por habilidades e experiência.
Por exemplo, uma empresa que exija
grande tempo de experiência em uma função relativamente simples sinaliza, antes
mesmo da contratação, que não vai dar treinamento para os funcionários. Que não
vai se preocupar em patrocinar cursos, pós graduações ou outras formas de
evolução profissional. Digo de antemão que qualquer empresa que demande
experiência maior do que 6 meses para qualquer posição de analista não está
comprometida com a evolução profissional do funcionário.
A disposição para ensinar é a
característica mais importante de um professor. Uma empresa que deseja gente
pronta, que entre no jogo jogando, não está comprometida com a evolução
profissional. Portanto não vai saber valorizar (com dinheiro e não com cartões
de natal decorados) profissionais com perfil mais completo. Se você é um
profissional mais experiente e completo deve buscar empresas que dão valor à educação
corporativa e à evolução dentro da empresa, para conseguir o maior valor pelo
que você oferece.

Ausência
de métricas
O mais interessante é que o mundo corporativo adora números, siglas e métricas,
mas nunca ninguém criou nada para parametrizar a forma como os funcionários são
remunerados por suas atividades. Mesmo tendo uma sigla e um índice para cada
linha dos seus balancetes corporativos as empresas não dispõem de uma métrica
para que seus funcionários possam avaliar se estão sendo bem pagos, proporcionalmente
à seus pares ou colegas de outras empresas. Como saber então se você está sendo
pago justamente pelo trabalho que está desempenhando?
Estranhamente os salários são
tratados de forma super confidencial, ainda que o balanço e ou caixa das empresas
sejam até publicados em jornais para que todos possam ver. O segredo aqui é
mantido por razão simples, para que a empresa pague a cada um o mínimo possível
para que ele desempenhe sua função. Se você descobre que alguém que faz a mesma
coisa que você ganha 30% a mais a primeira providência é pedir um aumento.
Ocultar a informação salarial é essencial para que as empresas possam continuar
funcionando e pagando aos seus proprietários valores cada vez mais altos.
Nada
contra isso e contra o capitalismo, muito pelo contrário. Mas a falta de
transparência na questão salarial contrasta com todo o blá-blá-blá corporativo sobre meritocracia e
reconhecimento de valor das pessoas. Em um ambiente realmente meritocrático não
haveria problema se todos os funcionários soubessem o salário do chefe. Seria
até um incentivo para trabalhar mais e mais em vista de uma promoção.
Se você ainda não aceitou esse
argumento pense na seguinte perspectiva. Na escola exibimos à todos as notas
mais altas dos melhores alunos. Não há pudor em se exibir uma nota 10. Isso é
incentivado. Na etapa seguinte, na vida corporativa, a nota 10, isto é o melhor
salário, deve ser escondida a sete chaves. Faz sentido?
Mostrar meritocraticamente o salário
do chefe para a equipe só não funciona bem em dois casos específicos:
1- O salário do chefe não é tão bom frente à responsabilidade que ele tem, e
ter conhecimento disso traria um revés aos ânimos da equipe. Essa situação
costuma ocorrer no chão de fábrica das indústrias;
2- O salário do chefe é muito alto em relação ao salário da equipe e
desproporcional em relação à carga de cobranças e responsabilidades
individuais, e isso causa insatisfação à equipe que entende que alguém que não
trabalha tanto ganha muito mais. Essa situação costuma ocorrer nas empresas de
serviços a partir da média gerência.
Pela falta de um parâmetro mais geral
o profissional precisa se basear em sua própria carreira para definir se o seu
salário é justo. O modelo que eu adoto é medir o quanto ganho para cada ano que
estudei. Em tese eu devo conseguir aumentar o valor por ano de estudo a medida
que minha carreira progride. Assim, ao me formar na faculdade eu tinha estudado
por 18 anos (da primeira série até o quinto ano de faculdade com mais 3 de
secundário) e ganhava US$94,28/mês para cada ano de estudo. Hoje estou com 19,5
anos de estudo e ganho US$133,64/mês para cada ano de estudo. Se eu decidir
fazer um MBA de 18 meses preciso de um aumento real de salário de 7,6% apenas
para que o investimento no MBA valha a pena.
Essa métrica é interessante pois vai
permitir que você compare sua remuneração com seus colegas de função, caso você
saiba o salário e tempo de estudo deles. Mas não vai funcionar para comparar
sua função com outras posições. E nesse aspecto você precisa desenvolver sua
própria percepção de salário/responsabilidade para cada posição de sua empresa.
Voltando
ao Apagão
Sobre o apagão fictício de talentos que estamos vivendo eu defendo que as
empresas têm pecado e oferecido remunerações muito tímidas para vagas que exigem
pessoas muito qualificadas e dispostas a enfrentar grandes responsabilidades.
Conheço dezenas de profissionais muito qualificados que não se sentem atraídos
pela maioria das vagas que aparecem em seus e-mails porque não estão
confortáveis com a ideia de trocar de emprego para ganhar 300 ou 400 reais a
mais por mês.
Grande
parte dessa questão está ligada à quantidade de informação que as pessoas
recebem sobre empresas da chamada nova economia, como
o Google, citado anteriormente. Claro que nem todas as empresas podem pagar
remunerações como o Google e portanto terão que se contentar com profissionais
de nível mais baixo, por assim dizer. E aí surge outro problema. No momento de
definir os critérios para as vagas as empresas escolhem padrões exageradamente
altos, acima da realidade para os salários que estão dispostos a pagar. Vagas
com experiência de 4 anos e inglês fluente, mas com salários de R$2.500,00 são
comuns e, sinceramente, fora da realidade. O que dizer de anúncios buscando
vendedores com carro próprio e que oferecem R$1.800,00 mais Vale alimentação?
Completa esse quadro a globalização.
Ela própria que equalizou os preços de commodities no mundo todo e virou clichê
para explicar tantas coisas. As empresas não perceberam que, em um mundo
globalizado, a mão de obra, mesmo a especializada, é uma commodity como a soja,
o minério de ferro e o petróleo. Os salários da alta-gerência e diretoria das
empresas brasileiras já são equivalentes aos pagos nos EUA e Europa, mesmo de
empresas médias e pequenas. Porque esses profissionais dispõem da possibilidade
de ser empregados por empresas para trabalhar offshore. Profissionais de média
gerência e segundo escalão estão experimentando o dessabor de desempenharem, em
empresas nacionais, funções equivalentes ao de colegas de outros países e
receberem uma fração apenas do que aqueles ganham.
Ao avaliar que o Itaú Unibanco é o
banco com maior lucro líquido absoluto do continente no 1S2011, incluindo seus
competidores dos EUA, não se pode esquecer que um gerente do Itaú ganha cerca
de 1/4 do que um gerente do Bank of America nos EUA. Inclua na análise que
durante a fusão entre Itaú e Unibanco os funcionários ficaram por 2 anos com
suas remunerações congeladas (sem que nenhuma promoção ou ação de mérito
pudesse ser efetuada) e fica fácil entender de onde vem a lucratividade tão
alta do banco. É fácil ser a empresa mais lucrativa do seu segmento no
hemisfério se seus funcionários são sub-pagos e você fica 24 meses sem dar um
único aumento.
Entretanto, como isto afeta a satisfação
dos funcionários, e o blá-blá-blá corporativo sobre ser feliz no trabalho? Não
muito, desde que seus concorrentes também se esforcem para pagar o menor valor
possível para cargos que exigem conhecimento profundo sobre finanças,
certificação das autoridades competentes e uma grande dose de responsabilidade.
Entretanto
quanto seus melhores funcionários começam a receber propostas de outros
segmentos da economia você precisa justificar o fato de não conseguir repor
profissionais tão competentes quanto aqueles que saíram. Há uma resposta certa
e uma resposta fácil. E o Apagão de Talentos é
novamente citado.
Postado em: Vida Profissional by Fabio Luiz