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Causos de Quaresma




Dentre os muitos causos que já ouvi na vida, destaco alguns que me foram contados pelas minhas avós, bem difíceis de esquecer.


Conta-se que na época da quaresma, que se inicia hoje (quarta feira de cinzas) e vai até a semana santa, todas as assombrações e aparições do bem e do mal resolvem pintar pelo mundo afora. Vou deixar aqui somente dois, contados por minha avó paterna (dona Sebastiana) e minha avó materna (dona Maria).

Lá pelos meus 7 a 8 anos, época em que acreditamos em tudo que nos falam, as duas me contavam muitas histórias, cada uma com seu objetivo. Minha vó Maria queria me catequizar através do medo, já a vó 'Bastiana' queria me mostrar como a fé é surpreendente. Cada qual com seu jeito, que ao contrário do que parece, a vó Maria era bem meiga e amorosa, já a vó Bastiana tinha a rusticidade do mineiro, daqueles que desceram a serra da Mantiqueira e vieram se assentar no Vale do Paraíba.

Com a vó Bastiana aprendi muitas lendas dali daquela região antiga, o Vale que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Caminho dos bandeirantes que saíam mato a dentro a buscar ouro e a escravizar índios.

Era a Loira do Banheiro das escolas, que também assustava os caminhoneiros na via Dutra. A dona Maria Peregrina, também conhecida como a mulher do saco. O Corpo Seco, homem que fazia maldades e acabava morrendo no ato de uma delas. A escrava Lavínia lá de Pindamonhangaba que aparecia nua na beira do rio Paraíba, atraindo e afogando os homens desavergonhados. O lobisomem de São Luiz do Paraitinga, aquela cidade que sofreu uma enchente que destruiu todo o patrimônio de casas antigas, seculares. Tem festival do lobisomem até hoje em São Luiz.



Mas o causo de quaresma que a vó Bastiana me contou que mais me marcou foi a do Negrinho do Pastoreio. Esse já devem conhecer da época em que se festejava o dia do folclore nas escolas nos anos 60, 70 e 80. Mas a forma como ela contava me hipnotizava. Era desenhado e floreado de um jeito que eu enxergava as cenas todas. Contava que lá pros lados de Itajubá em Minas Gerais na época dos escravos, o Negrinho era um menino da minha idade (7 anos + ou -), escurinho que nem a noite sem lua. A mãe tinha morrido no parto, mas que contaram a ele que a mãe dele era lá do céu, que desceu aqui só pra lhe dar à luz e depois retornou pra morar nas estrelas e ficar de olho nas outras crianças do mundo. Filho de escravo, foi logo cedo pra labuta e o seu serviço era cuidar dos cavalos. Mas não pense que eram uns pangarés não, contava minha vó arregalando os olhos, eram uns bitelos, de corrida, gigantes, de cabeleiras enormes, ariscos de um jeito que o menino tinha medo inté de chegar perto. Um deles era tão bravo e ligeiro que sumiu no meio do mato e o Negrinho não conseguiu encontrá-lo. Chegando na fazendo, contou ao feitor e esse deu uma surra tão covarde que o menino ficou todo cortado de chicote e amolecido como se tivesse morrido. O feitor quis sumir com o corpo do coitado, jogou num formigueiro, daquelas formigas saúva, vermelha como fogo e da picada mais ardida que a de vespa. Isso foi numa sexta feira de lua cheia bem na quaresma. Na manhã seguinte o feitor voltou lá pra ver se as formigas haviam dado cabo do corpo do moleque. Não tinha formigueiro, não tinha corpo, mas um pouco mais a frente ele viu correndo em sua direção o cavalo fugitivo, em cima dele o Negrinho todo faceiro, que ao chegar perto baixou no mesmo momento uma nuvem fofa e o feitor conseguiu ver uma mulher vestida de Nossa Senhora, mas com o rosto da falecida mãe do menino, que ele conhecia bem.
Essa história contada pela minha vó tinha muito mais graça e cor que aquelas lidas nos livros da escola.
Mais tarde vim a saber que essa é uma lenda do Sul do nosso país, mais precisamente do Rio Grande do Sul. Mas não me perguntem como a minha vó mineira localizou essa lenda e a regionalizou.


O lobisomem pernambucano é o personagem que a minha vó materna, dona Maria, encontrou pra me botar medo e me ensinar a não roubar, mentir, ficar de libertinagem ou desobedecer e desonrar os pais.
Conta ela que lá no Pernambuco, na cidade de Garanhuns, onde ela e o nosso ex presidente Nine Fingers nasceram, existiam muitos cabras safados que acabavam aproveitando a lenda do lobisomem pra darem uma de espertos. Esse é um verdadeiro conto de terror! Dizia a lenda que um rapaz muito peludo, barbudo, cabeludo e sobretudo preguiçoso e folgado, vivia dando golpes nos moradores mais simples. Pequenos criadores de cabras, galinhas, porcos eram o seu alvo. Roubava à noite e levava pra mãe preparar o jantar e ainda sobrava pro almoço de vários dias. Sempre que a mãe o questionava, desconversava, inventava histórias, dizia que ganhara em troca de serviço de pedreiro, de carpir roça... Mas o safado vivia de boa na lagoa, namorando todas as meninas em idade ainda escolar. Ai daquelas quem não cedessem, ele pegava a força e até batia. Diz minha avó que quando era moleca teve que sair correndo pro meio do mato (caatinga cheia de arbustos espinhentos) e se esconder numa gruta, por conta do boa vida a estar seguindo. Daí a lenda se misturava com a vida real. Imagina o quanto me assombrei!
Mas que um dia a mãe do salafrário descobriu as malandragens do caboclo, que quando chegou em casa com um leitãozinho, pedindo pra mãe o preparar, essa soltou o verbo e começou a relatar tudo que ela descobrira. O sem vergonha partiu pra cima da mãe e a esbofeteou, jogando-a no chão. Era uma noite de lua cheia em plena quaresma. Advinha.... A coitada da mãezinha toda esfolada ainda olhou pro céu e maldisse aquele que tinha saído do seu ventre. Jogou uma praga que o faria perambular pelo mundo, sem morrer, sem sossego, vivendo do fruto do seu roubo, não sendo aceito por nenhuma sociedade que não conseguisse enganar. Ou seja, a praga o deixou mais monstro que já era. Meeedoooo! Como o cabra já era peludo, logo a vizinhança o apelidaria de lobisomem. Então qualquer coisa que sumisse nas redondezas, sejam roupas, galinhas, patos, cabritos bem na época da quaresma e especialmente em noite de lua cheia, era imediatamente associada ao lobisomem de Garanhuns. "Tenho cá comigo que os ladrões de galinhas da região aproveitavam a época e a lenda pra culpar o peludo". Palavras da vó Maria, que continua: "Certa noite de lua cheia na quaresma, nos preparávamos pra dormir, quando ouvimos um alvoroço no galinheiro lá no quintal. Meu pai pegou um facão, minha mãe pegou-se no rosário e nos obrigou a entoar o terço. Vi uma mão peluda entrando pela parede de pau a pique e tentando me segurar pela perna. Abri um berreiro tão grande, que mais que de pressa meu pai veio com o facão e deu um golpe, arrancando o dedo mindinho do bicho, que ficou lá pulando que nem rabo arrancado de lagartixa. Tivemos que queimar aquilo". Mais uma vez a lenda se misturando com a realidade. Meeeedoooo!
E por falar em realidade, dizem as boas línguas que o safado amaldiçoado pela mãe, não conseguindo mais se virar em qualquer cidade do nordeste, se mandou pra sumpalo, mais especificamente pra São Bernardo do Campo. Meeedooo!

Esses e outros causos, minhas avós queridas me contavam, me moldando e me educando. Assim, foi nessa pegada paulista, mineira e pernambucana que fui criado. 

Hoje em dia não se fala mais em assombrações desse tipo. A quaresma é só um intervalo entre os feriados do carnaval e da páscoa. O medo e o fantástico perderam seus encantos. Ou pior, o fantástico se perdeu e o medo prevaleceu, só que transformado pela realidade corrupta dos governantes, dos espertos que não estão na política mas estão no meio de nós (adulterando produtos e serviços, levando vantagem e dando golpes nos mais simples) tornando esse país na antítese do paraíso a que estava destinado.

Meeedoooo!


Milton Ramos


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