Nunca, mas nunca mesmo na história deste país, passei por este momento.
Sempre tive medo de algum dia ficar desempregado. Esse dia chegou.
Aos 43 anos de vida, no auge da maturidade sexual, afetiva,
profissional, espiritual e... desempregado.
Estou há pelo menos dois meses sem atividade profissional,
sem remuneração e sem expectativa de encontrar algo tão cedo. Sempre mudei de
emprego, despedi meus empregadores e partir pra várias melhores. Hoje sou o
homem sem trabalho. O ócio é minha atividade mais frequente nesses últimos tempos.
Improdutivo, sem renda e me sentindo sem valor algum na sociedade.
A falta do que fazer me faz procurar atividades quaisquer
para que o tempo passe. É uma limpeza na casa, uma navegada na internet,
alimentar os bichos, ajudar minha esposa a fazer o almoço/jantar (às vezes
adiamos algumas dessas atividades para ter o que fazer no dia seguinte), interagir
com a família dela que agora também é minha, assistir filmes e documentários
interessantes ou arrepiantes. Tudo isso em busca de alguma coisa pra ocupar a mente.
Escrever esse post também está sendo uma atividade e tanto.
Ocupa a mente pra katanga.
Ouvir música, escutar e dialogar com a companheira todos os
tipos de temas (políticos, humanitários, besteirols), namorar bem gostozin,
cuidar da higiene, olhar, rs... só olhar o jardim e de vez em quando mexer em
alguma planta, retirar o cocô da Tereza, observar o ninho de bem te vi com
filhotes no pinheiro do nosso quintal, ir ao mercado. Assim que me levanto (e
nem posso dizer que é de manhã cedo, pois não é) parto pra outras atividades: dar
leite no pires pro Freddy e pra Tereza, responder aos e-mails sobre currículos
que enviei, preencher formulários eletrônicos em busca de vagas, ler o
noticiário no G1 e em outras fontes (sempre desconfio da Globo), postar coisas
legais no Facebook (pelo menos eu acho), sentar no sofá da sala e ficar de
bobeira ouvindo os risos da mulher muito amada enquanto vemos algo engraçado.
Há tanto pra fazer quando não estamos fazendo nada,
inclusive ficar parado. Mesmo assim me pego de bobeira pensando “por que não
estou embrenhado em alguma causa humanitária, aproveitando esse tempo e me
doando a quem realmente precisa de braços, de uma conversa, de atenção?”. Volto a pensar na vida que vivo e me lembro
que antes de ajudar ao próximo, será imprescindível ajudar a mim mesmo e,
enquanto essa desculpa colar, vou adiando um pouco mais.
Mas e aí? O que tô fazendo de errado? - me pergunto. Ouço
uma voz lá no fundo, um sussurro de um velho sábio: “Está apenas vivendo, meu
caro... Pois a vida é assim, cheia de altos, baixos e médios, com picos de
tirar o fôlego e também calmaria desesperadora, onde se olha o mar a sua frente
e não se vê nada, apenas água”. “Mas - continua o velho sussurrando – se tiver
um olhar mais profundo, verá que mesmo nisso que chama de ‘apenas água’ existe
um universo de vida borbulhante que se perde ao olharmos apenas a superfície”.
Lembro constantemente de uma conversa com a Lylian minha
esposa, sobre se enclausurar por um tempo, pra se transformar, adquirir fôlego
novo e depois recomeçar. É assim que ela pensa e pratica. Eu fico no
questionamento. Ooo caboclo pensador que sou. Não estou acostumado a dar um
tempo, nunca precisei pensar na vida enquanto ela profissionalmente não
acontece. Dinâmico, sempre me embrenhei no trabalho e me especializei em
algumas coisas, geralmente atividades que facilitariam o operacional de alguma
empresa ou grupo de pessoas. Sempre profissional, achando que viver é ser
produtivo e algumas poucas vezes humano. Salvo ocasiões em que resolvi
escrever sobre alguma coisa (o blog, podem perceber, se iniciou com uma
proposta de discutir sobre o mundo corporativo, mas depois foi
mudando), me empenhar em práticas esportivas que dominava bem (putz... voar de
paraglider e mergulhar de scuba diver, noossaaa!!!), viver para os filhos em um
casamento que se iniciou errado, cultivar poucas amizades sólidas, frequentar
grupos sociais geralmente voltados para atividades profissionais, me separar do
casamento errado mas que me ensinou muito, mas continuar vivendo para os guris.
Mesmo assim e apesar de todas essas coisas, a impressão que tenho é de ter
vivido uma vida corporativa e só.
Obviamente essa visão não é só minha. Muitos pais e mães de
famílias, velhos e jovens estão na mesma “vibe”. Somos criados para produzir. Mininu o que você vai ser quando crescer?
– é o que nos perguntam quando criança. A escola, a família, a sociedade como
um todo está sempre cobrando isso. E muitos lares se desfazem quando o
desemprego ronda. Muitas pessoas se desestruturam quando não conseguem uma
recolocação no mercado. Pois se enxergam apenas como operários, se esquecem que são gente. Gente que vive, que existe e que está aí com várias missões no
mundo, uma delas é o trabalho. Porque a sociedade atual está moldada dessa
forma, o sujeito que não trabalha perde o crédito na praça. Sem dinheiro se vê
limitado à infinidade de coisas. Não tendo mais a habilidade de plantar e
caçar, morre de fome ou vai roubar. * Atenção: Os exageros são permitidos neste
texto, pois trata de desabafo literário sem pretensão de ensinar porra nenhuma!
Como quase tudo que fazemos na vida em sociedade está ligado ao
trabalho, agora sem atividade profissional, me vejo num mundo novo em que a
visão se amplia. Apesar das assustadoras preocupações de um desempregado, estou
refletindo muito e reaprendendo a ser um humano comum, com uma vida a ser
partilhada com a esposa, família e amigos. Vivendo em uma sociedade que te
reconhece mais pelo que você produz e menos pelo que é. E por não possuir talentos especiais, vivo a
normalidade do homem comum, “verborrajando” e soltando os demônios, mas mantendo a serenidade e a
compreensão de que viver é isso.